
DIA MUNDIAL DOS ANIMAIS
Escrito por:
Júlia Amorim Faria e
Brunna Gabriela Gonçalves de Oliveira Ferreira
Revisado por:
Laiza Bonela
Em 1931, órgãos de proteção animal se reuniram em um Congresso Internacional de Proteção Animal e instituíram em Florença, na Itália, o dia mundial dos animais, celebrado no dia 4 de outubro, em homenagem a São Francisco de Assis, o santo conhecido como protetor dos animais (PETZ, 2021). É importante então descrever um pouco da história de São Francisco com intuito de sobressaltar o objetivo do estabelecimento da data comemorativa – sensibilizando a população acerca da importância e necessidade de preservar e valorizar a vida de todas as espécies animais. Assim, as narrativas daqueles que se propuseram a escrever as passagens de São Francisco colocam em evidência a forma em que ele se relacionava com a criação divina e com o mundo (GONÇALVES, 2016).
Ao relatar seus encontros com os animais, seus hagiógrafos (aqueles que escrevem a vida dos santos) desejavam destacar aspectos da sua vida que deveriam servir de exemplo, sobretudo pelas suas virtudes e fé em Deus (GONÇALVES, 2016). A convivência de São Francisco com os animais, a maneira como ele agia diante deles e o comportamento de retribuição, não eram centrados em apenas uma espécie ou animal em particular, pelo contrário, a sua postura abrangia todas as criaturas, como se explicita no relato a seguir:
“Mas, como chamavam atenção seus hagiógrafos, não era apenas o santo que adotava uma postura diferenciada diante da fauna, pois ela também, reciprocamente, adquiria um comportamento particular diante dele. Como anuncia Boaventura, para tais criaturas irracionais o homem cheio de Deus, era levado, por um piedoso afeto de humanidade, pois, elas também, por sua vez, se inclinavam de modo tão admirável para atender suas instruções e obedecer suas ordens.”
O santo acreditava na pregação itinerante e universal, dessa forma, sua vivência era embasada em um ideal missionário e revolucionário de levar a doutrina para todos, inclusive para os animais não humanos. Sempre atento às criaturas terrestres, Francisco recolhia “vermezinhos” do caminho para que não fossem pisados e mandava dar mel para as abelhas não morrerem de frio no inverno. Denominava os animais como “irmãos”, o que indica a relação fraternal que ele se apoiava, entre os membros da comunidade e que se estendia a outras criaturas do universo (GONÇALVES, 2016).
A comemoração começou a ganhar ênfase em 1978, quando a UNESCO publicou a “Declaração Universal dos Diretos dos Animais” que ressalta a necessidade de respeito dos homens aos animais não humanos. Destaca-se a seguir o preâmbulo da Declaração:
“Considerando que todo o animal possui direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;
Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;
Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais.”
A reflexão deste dia deve ser pautada na necessidade de transformar hábitos e perspectivas da relação humano-animal. Dessa forma, vale considerar a mudança da visão antropocêntrica e utilitária dos animais não humanos, que fornece meios para serem considerados espécies inferiores. Tendo em vista o que foi explicitado previamente, a dignidade deve ser atribuída de forma igual a todos os seres, sejam humanos ou não humanos, independente de autoconsciência e razão. A partir daí, torna-se necessário valorizar a vida ecocêntrica ou biocêntrica, que considera os seres humanos parte da natureza e não separados dela. Na contemporaneidade, o biocentrismo sustenta a existência de valor em todos os animais, independentemente da existência do homem, de modo que todas as formas de vida se tornam igualmente importantes, retirando o ser humano do centro da vivência no mundo (SCHERWITZ, 2015).
Dessa forma, a partir do desenvolvimento do pensamento humano, o direito animal foi se desenvolvendo com o passar dos anos. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, incumbe ao poder público proteger a flora e a fauna, sendo vedadas na lei as práticas que coloquem em risco a função ecológica ou que submetam os animais à crueldade. Ao avaliar o início da evolução do Direito Animal, inicialmente seria objeto do Direito Ambiental, já que os animais não humanos seriam restringidos pela sua função ecológica no ecossistema. Entretanto, está aumentando a reflexão acerca da qualidade de vida dos animais, consolidando visões éticas que lhes determinam um valor próprio e com isso, ocorre o estabelecimento de direitos fundamentais.
Em 1997, o tratado de Amsterdã (União Europeia), introduziu adaptações aos tratados prévios, reconhecendo os animais como seres sencientes, ou seja, com capacidade de experimentar sentimentos e emoções complexas. Em 2012, proclamou-se a “Declaração de Cambridge sobre a consciência”, na Inglaterra, que determina que animais não humanos possuem substratos neurofisiológicos de alteração do estado de consciência, com capacidade de expressar comportamentos intencionais, incluindo todos os mamíferos, pássaros e outras espécies animais.
Para analisar o Bem-estar animal, a proposta realizada por David Mellor se embasa nessa referência, explicitando dentro do “Modelo dos Cinco Domínios” as experiências positivas e negativas da vivência animal. Os aspectos analisados consistem na observação e avaliação do aspecto nutricional, a partir do oferecimento de alimento, nutrientes essenciais e água ad libitum; ambiente, a partir da avaliação dos desafios que os animais estão submetidos e a salubridade; saúde animal, ou seja, a presença de doenças, lesões e suas consequências; comportamento, a partir da possibilidade de expressão de comportamento natural e, por fim, os estados mentais por emoções e sentimentos positivos e negativos da experiência animal (MELLOR, 2017).
Sobre especismo, um artigo escrito pela pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, Carla Forte Molento (2008) mostra a definição como:
“Especismo é um conceito segundo o qual é justificável dar preferência a indivíduos simplesmente com base no fato de que eles sejam membros da espécie Homo sapiens. O termo foi cunhando por Richard Ryder, em um panfleto sobre experimentos científicos, há cerca de 40 anos, e desde então vem sendo amplamente citado na literatura especializada”.
A pesquisadora, ainda, esclarece uma questão comum ao tema: “podemos considerar seres humanos e animais iguais?”. Para Molento, ao rejeitar o especismo, não se pretende propor um conceito simplista que torne animais e seres humanos semelhantes, mas para além disso, a proposta é garantir respeito ao interesse de todos os seres vivos.
Por fim, “Talvez chegue o dia em que a restante criação animal venha a adquirir os direitos de que só puderam ser privados pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o negro da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem remédio aos caprichos de um torcionário. É possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do sacrum são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino (BENTHAM apud SINGER, 1993, p.43).” Então, outubro é mesmo um mês especial, viva São Francisco de Assis e um viva a todos os animais existentes, é um privilégio dos seres humanos poder existir no mundo junto desses seres tão fantásticos.
REFERÊNCIAS
- “Dia mundial dos animais: origem e como ser um defensor”: PETZ, 2021. Disponível em <https://www.petz.com.br/blog/bem-estar/dia-mundial-dos-animais/>. Acesso em: 10 de out. de 2021.
- Gonçalves, RA. FRANCISCO DE ASSIS: MESTRE DOS ANIMAIS, EXEMPLO DOS HOMENS. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá. v. 9. n. 1, 2016.
- Scherwitz, DP. As visões antropocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica do direito dos animais no Direito Ambiental.Revista Direito e Sociedade. v. 3. n. 1, 2015.
- Mellor, DJ. Operational Details of the Five Domains Model and Its Key Applications to the Assessment and Management of Animal Welfare. Rev. Animals, v. 7. n. 60, 2017.
- MOLENTO, Carla Forte Maiolino. A injustiça do especismo. Páginas Iniciais, Capítulo Um, Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.labea.ufpr.br/PUBLICACOES/Arquivos/Pginas%20Iniciais%201%20Especismo.pdf>. Acesso em 15 out. 2021.
- SINGER, Peter. Ética Prática. Trad. Manuel Joaquim Vieira. Lisboa: Tipografia Lugo, 1993.